Bright Eyes é uma banda que, sem dúvida, marcou meu crescimento e influenciou muito minha formação pra que eu me tornasse o ser humano que sou hoje. At The Bottom Of Everything é uma das suas músicas mais reconhecidas, do álbum I’m Wide Awake, It’s Morning e com razão. Eu nunca tinha analisado muito bem a letra dela nas primeiras vezes que a ouvi, vários anos atrás, até porque eu era uma criança que mal entendia inglês, e que arrependimento. A música traz uma visão niilista, porém positiva, da vida e da morte, mostrando como ambas se complementam e não deveriam ser temidas.

A longa introdução contextualiza os 4 minutos e 34 segundos da música, contando a história de uma mulher em um avião sobrevoando o oceano, a caminho de um encontro com seu noivo. No assento ao lado, um homem que permaneceu em silêncio a viagem inteira, exceto por um momento em que pediu um Bloody Mary. Ela tenta puxar conversa, mas sem sucesso, então pega uma daquelas clássicas revistas que tem em todo avião, que ficam na parte de trás das poltronas, e começa a ler sobre um país de terceiro mundo cujo nome ela nem sequer consegue pronunciar, tudo pra espantar o seu tédio.
Tão desconexa do mundo ao seu redor, ela nem percebe que o avião está caindo de 9 km de altura devido a uma falha no motor. O piloto liga o microfone e, incessantemente, pede desculpas atrás de desculpas. A esse ponto na música, um violão começa a tocar, sendo o primeiro som além da voz do vocalista a ser ouvido. A história continua com a mulher, confusa, percebendo que algo está errado. Ela olha para o homem e pergunta “Onde estamos indo?”. Ele responde “Estamos indo à uma festa, é… é uma festa de aniversário. É sua festa de aniversário, feliz aniversário, querida. Nós te amamos muito, muito, muito, muito, muito, muito, muito.”, e então começa a cantar.
Até poucos segundos antes, ambos eram completos desconhecidos, até que acontece um evento caótico que coloca a vida dos dois em risco e eles se aproximam, como uma forma de consolo mútuo. O estranho, antes frio e silencioso, se torna uma figura quase paterna para ela, enquanto o avião cai. A cena satiriza o estado atual do mundo, que se encontra em colapso total, enquanto continuamos colocando mais e mais pessoas nele, vivendo como se estivéssemos vendas nos nossos olhos. Evitamos encarar a realidade, então inventamos mentiras pra tornar nossa experiência menos dolorosa.
Os versos seguintes criticam a sociedade e como tentamos nos cegar à realidade através de toda forma oferecida pelo sistema capitalista, com medo não apenas do que nos espera mais à frente, mas também do que já está diante de nós. Preferimos acreditar que o sistema busca o bem de todos, ignorando que muitos não têm acesso sequer a serviços básicos de saúde, sendo abandonados para morrer, ou com a Igreja reforçando ainda mais o medo da morte ao ameaçar com punições eternas aqueles que não agradarem à divindade criadora.
O futuro é incerto. A única certeza que temos é que, um dia, todos nós, um por um, dormiremos e nunca mais acordaremos, ou acordaremos e nunca mais voltaremos a dormir. Ainda assim, precisamos ter coragem pra seguir em frente e encarar o que a vida nos preparou, independentemente do medo. No fim, não levamos para o outro lado nada do que conquistamos na Terra. No fim, somos todos iguais.
O refrão traz uma das frases que mais amo no mundo: “Death will give us back to God just like the settling sun is returned to the lonesome ocean”, traduzida como “A morte nos retornará a Deus assim como o sol poente retorna ao oceano solitário”. O sol, ao se pôr, do ponto de vista de uma praia ou um barco, parece afundar no oceano, como se estivesse morrendo, mas, no dia seguinte, ele sempre retorna. O próprio título do álbum, I’m Wide Awake, It’s Morning, faz referência a esse conceito. A morte nunca é definitiva, um dia vamos todos nos reencontrar, seja numa possível reincarnação, na vida após a morte ou até mesmo debaixo de covas vizinhas, onde nos tornamos um só com o solo.
O último verso, “I’m happy just because I found out I am really no one”, ou “Estou feliz só porque percebi que eu realmente não sou ninguém” celebra a beleza na aceitação da nossa insignificância diante da grandeza do universo. Não se deve levar a vida tão a sério, afinal, a morte é inevitável. O melhor a fazer é aproveitar o tempo que temos e usá-lo da melhor maneira possível.
Não devemos lamentar pela viagem ter um fim, mas sim nos alegrarmos por termos tido a oportunidade de fazer parte dela. Sem a morte, a vida não teria sentido, e, sem a vida, a morte também não. São faces opostas da mesma moeda, que se completam e dão sentido pro universo, movido por essas duas leis. E isso não precisa ser deprimente, mas pode ser libertador. A verdadeira felicidade só pode ser alcançada quando compreendemos isso.